Home > Notícias
16/02/2021

QUAL MARCA SEU NEGÓCIO QUER DEIXAR NO MUNDO?

Por Felipe Schmitt-Fleischer
Estrategista de marcas
www.felipefleischer.com

Imaginar que o tanque de combustível do seu carro pode ser infinito é um equívoco. Pane seca trata-se de um incidente que acontece de forma bem comum. Agora imagine que diante deste azar, a sorte sua seja que isto aconteça em um cruzamento no qual em cada esquina há um posto de combustível. Cada qual com sua bandeira. Você faz sua escolha. Mesmo sabendo que gasolina (ou álcool, diesel) é commodity. Tem a mesma fórmula química. São iguais entre si. Apesar de tudo isso, sua percepção não é assim. Porque mais do que o mero produto sua avaliação julga também as marcas de cada alternativa.

Marca é um sentimento pessoal que cada um tem sobre um produto, serviço ou empresa
Houve um tempo onde a marca não tinha tanta relevância. O que decidia o jogo era a confiança na pessoa que nos vendia. Ou naquele que era o fabricante. Hoje não conhecemos mais os donos do varejo (até porque em muitos casos eles não existem mais, por estarem pulverizados em milhões de acionistas). Também não sabemos mais aonde os produtos são feitos (exceto se usar uma lupa para olhar aquelas letras pequeninhas que por lei precisam dizer a origem). Voltando à marca. Você pode pensar que ela é um nome, um símbolo ou sinal. Pode ser que pense que ela é uma promessa. Um conjunto de ativos que uma empresa possui. Ou a coleção de percepções que você coletou ao longo do tempo a respeito dela. Todas definições corretas. O conjunto delas ajudou você a escolher para qual posto de gasolina irá empurrar seu automóvel.

Nós somos seres essencialmente emocionais
A palavra marca remonta a um termo antigo que tem origem no ato de marcar com ferro e fogo o rebanho. Deste modo, dar sentido de propriedade e diferenciar aquilo que antes era igual. Curioso observar este último objetivo, no contexto atual quando tantas alternativas de produtos e serviços parecem semelhantes entre si. Um enorme rebanho. E todo vez que um boi é exatamente igual ao outro, a escolha vai ser aquele que nos custar menos. Assim vale com os negócios. O mais barato vence no jogo dos ordinários. O contexto de marca evoluiu ao longo do tempo, hoje servindo como uma espécie de antídoto contra nossos principais medos: o desconhecido, o incerto. A marca fornece um atalho para escolhermos sem ficarmos paralisados. Estas escolhas de consumo que realizamos são 95% não racionais. Ou seja, somos como um cachorro no qual o rabo emocional abana o corpo racional.

Nosso cérebro economiza energia sempre que pode
Você não ficou muito tempo parado no cruzamento decidindo aonde resolveria o problema da falta de combustível. Sobretudo se o sol estiver quente sobre sua cabeça. A mente evita ter que pensar e desta maneira cria atalhos para a tomada de decisão. O desafio do branding, a especialidade que cuida da gestão das marcas, é moldar a lembrança da marca no consumidor. Em um mercado aonde a similaridade virou quase regra (lembre-se dos bois, um a cara do outro) e a cópia um mecanismo de encher o mar dos medíocres (o medíocre, aquele que está na média, faz várias coisas ao mesmo tempo, quase todas nota 5), a marca adquire um papel crítico para os negócios.

Ter uma marca é a solução?
Sim. E todo mundo assim seguiu a boiada. Em um ambiente urbano como você vive, 1.800 marcas diferentes tentam falar contigo diariamente. Ao terminar esta leitura, 10 novas marcas foram registradas no Brasil (sem contar todas aquelas criadas e não homologadas no órgão oficial). Além de economizar energia, nosso cérebro é limitado. Costumo comparar nossa relação com marcas a um enorme arquivo cheio de gavetas em nossa mente. Cada categoria é uma destas gavetas e quando precisamos tomar uma decisão, abrimos a correspondente. Só que essas gavetas guardam pouca informação. A média de lembrança espontânea de marcas gira em torno de 7 marcas (exceto se for uma categoria na qual você é muito envolvido, trabalha nela, é um especialista ou apaixonado). Basta tentar lembrar marcas de sabonete (pode pegar um papel e anotar todas marcas que lembra sozinho, chegou em 7?). Dei uma chance, pois é uma categoria de produto que nos relacionamos diariamente. Imagina aquela que eventualmente temos contato. Tudo isso acontece porque nossa mente é programada para ver o que é diferente! Tudo aquilo que é igual, parecido, ordinário e medíocre vira cinza. Paisagem em um mundo super poluído de estímulos e entupido de marcas.

Branding é a construção e o desenvolvimento de uma marca de forma contínua para atrair mais pessoas para fazerem negócios com sua empresa
A marca deve ser uma alavanca para seu negócio. De fato, uma marca tem 2 grandes objetivos. Capturar a atenção das pessoas. Mostrar que você existe. Ninguém convida pessoas estranhas para dentro de seu lar. Dificilmente você faz negócios com quem não conhece. Do mesmo modo, as pessoas precisam saber que você existe e está aqui. O segundo objetivo é gerar associações. O que você deseja que as pessoas pensem a respeito do seu negócio? Que tipo de imagens mentais desejaria que surgissem quando elas vissem você? Quando a marca desperta a atenção e conduz às ideias desejadas, ela cumpre seu papel. Se torna a propriedade mais valiosa do mundo: um espaço na mente das pessoas. A marca passa a reforçar o negócio e vice-versa. No entanto, quais os passos para conquistar esta propriedade?

Faça escolhas e renúncias
Tudo começa aqui. Pense no melhor restaurante de sua vida? Dificilmente foi algum que te ofereceu dezenas de pratos no sistema self-service. Messi venceu 6 bolas de ouro, mas é um péssimo cabeceador (marcador, nem se fala). A Lamborghini pode ser um carro dos sonhos para muitos. No entanto, uma escolha equivocada para pegar a estrada de férias com a família. A Zara é o lugar certo para encontrar moda com preços acessíveis. E o lugar errado para achar vestuário durável. Estratégia é a capacidade de dizer não. Várias vezes. Para poucos sim. Poucos mesmo. Estratégia é escolher e deixar o resto para trás. Não é fácil, dolorosa geralmente. Ao abrir mão de algo, pensamos que estamos deixando escapar clientes, vendas e faturamento. Faz parte do que a marca precisa fazer (lembre-se do mar dos medíocres, aqueles medianos que fazem tudo). Já os que ficam na média sempre enxergam um inimigo invencível que estraga seus planos. Pode ser o Walmart, um país mais competitivo, a Amazon ou aquele concorrente mais ágil. O direcionador do seu negócio deve ser o resultado e não um grande faturamento (que pode vir acompanhado de um grande prejuízo ou um resultado medíocre, de novo essa palavra). Para fazer as escolhas, primeiro você precisa conhecer o ambiente, seu mercado, clientes, concorrentes e, claro, a si próprio. A partir daí as decisões se tornarão mais sólidas e ligadas ao mundo real. Escolher envolve fazer algo diferente do que já se faz no mercado ou algo que já se faz, mas de forma totalmente diferente.

Posicione de modo simples e realista
Qual espaço você deseja ocupar junto aos seus clientes? O posicionamento deve ser a etapa para resolver essa questão. São associações fortes e exclusivas (lembra que sua marca tem como um dos objetivos centrais criar essas associações). Aquilo que não se encontra com a mesma intensidade em uma marca concorrente. Posicionamento envolve ser parecido o suficiente para ser comparado e diferente o suficiente para ser escolhido. Quando o Airbnb começou foi chamado de “eBay para casas”. O Uber ganhou o título de “o Airbnb para carros”. O posicionamento pode nascer do propósito da marca. Dos inimigos que ela precisa derrotar (e estes inimigos não são seus concorrentes). Qual problema do mundo sua marca resolve? Pode ser a fome, o mau humor, a gambiarra, a complicação, o desconhecimento. O Nubank facilita suas relações financeiras. Las Vegas traz liberdade em um mundo cheio de regras. A Red Bull te fornece energia quando as exigências são cada vez maiores. A Jeep leva seu corpo a lugares aonde sua mente já esteve. Posicionamento faz com que sua marca se destaque. Feche os olhos e pense em uma pintura a óleo pendurada em algum museu do mundo. Grandes chances que tenha pensado na Monalisa de Leonardo da Vinci. Mesmo que haja milhões de pinturas que se encaixem no pedido que fiz.

Aplique códigos claros
Gestão de marca envolve criatividade. No entanto, há uma hora em que ela deve desaparecer. Sim, isso mesmo. Comunicação interessante e criativa pode ser um grande problema se estiver desligada da marca. Há casos célebres de marcas que fizeram campanhas de comunicação milionárias e as pessoas não conseguiram identificar quem era o anunciante. Há um estatística baseada em estudos que mostra que 84% do dinheiro colocado em publicidade pode ir para o lixo se os códigos de marca não estiverem presentes. Um dia após a exibição de uma série de anúncios, a audiência lembra de 40% deles apenas. E destes 40% lembrados, em somente 40% a  marca anunciante foi corretamente identificada. Ou seja, 16% dos anúncios foram recordados e corretamente associados à marca. Quando os códigos de marca foram aplicados, a marca foi reconhecida e assim uma parte importante do desperdício foi evitada (40% de eficácia). O que são os códigos ou ativos de marca? Podem ser cores, formas, narrativa, situações de consumo, faces, palavras, sons, músicas. Pense uma marca de automóveis associada ao vermelho. Uma marca de celulares que usa uma maçã. Uma marca de bolsas com estampas recheadas de logos. Uma marca de cosméticos com carros cor de rosa. Uma hamburgueria com um rei ou com um palhaço. Qual o banco feito para você? E a marca que tomou e a dor sumiu? Todos são exemplos de ativos fortes de marca. Por que são fortes? Por que são únicos e famosos. Identifique 3 ou 4 ativos em sua marca que são singulares (não estão também em competidores) e os torne famosos. Utilize-os constantemente sempre que a marca falar com seu público. Assim você irá fugir da armadilha da preguiça (lembre como o cérebro humano funciona). As pessoas não estão prestando a atenção, então não perca a chance de mostrar que é você que está ali.

Invista em curto e longo prazo simultaneamente
Hoje há uma obsessão pelo presente. A gestão de marcas ficou escrava do agora. Dos indicadores de curto prazo. O olhar está fixo no retorno do investimento imediato, nas estreitas janelas orçamentárias. Esquece-se a estratégia e apenas a tática sobrevive neste ambiente árido de paciência. O marketing envolve 2 grandes perspectivas. Criar o futuro e entregar o hoje. O futuro envolve criar valor. O hoje são as vendas e receitas. Então a corrida da sua marca não é uma prova de 100 metros, mas várias provas que unidas se transformam em uma ultramaratona sem fim. A execução deve considerar estas perspectivas. Ações e comunicação com mensagem emocional visando construção de marca, com foco amplo no mercado de massa e consistência de anos. E também ações e comunicação com mensagem racional, focada em produto, segmentação granular, muito digital e com mudanças constantes baseadas nos resultados obtidos. Geralmente marcas crescem quando mais pessoas a compram e não porque aquelas que já compram aumentam a frequência. Assim, entende-se a importância da perspectiva de construção de marca com linguagem emocional ser direcionada ao mercado de massa. Ela tem por objetivo colocar mais volume no topo do seu funil comercial, enquanto a comunicação racional visa converter vendas. na parte debaixo dele. Como costumo dizer, não adianta convidar sempre as mesmas pessoas para sua festa, esperando conhecer gente nova. O mesmo vale para sua marca.

Combine quantos canais puder ativar
Levar adiante a mensagem da sua marca não significa escolher apenas um canal. Ou se fixar apenas no meio digital esquecendo as outras alternativas. Diversidade e sinergia aumentam as chances de ser visto e compreendido. Você não está apenas nas redes sociais. Você vive no mundo real simultaneamente. A discussão digital versus tradicional parece vazia e sem sentido quando avaliamos o comportamento das pessoas. O retorno incremental do investimento utilizando simultaneamente 2 plataformas de comunicação é 19%, usando 3 passa para 23%, 4 31% e 5 chega a 35%. Ampliar canais aumenta a resposta por cada real investido. Não crie barreiras aonde elas não existem. Não caia em modismos só porque são frases vazias repetidas.

Sua marca mora nos detalhes
A última recomendação para seu negócio deixar sua marca no mundo. Possivelmente a mais subestimada. Há inúmeros relatos de empresas que caíram de penhascos sem deixar nenhuma marca de frenagem no asfalto. O branding mora nos detalhes. Não adianta abrir uma padaria, chamá-la de Boulangerie, seguir as dicas acima, se o atendente não diz bom dia para os clientes em português mesmo. Marca é o que você faz, não o que você fala. A marca está nas roupas de seus funcionários. No seu produto e embalagem. Na simpatia ao atender o telefone. Na pintura da sua sede (ou na atmosfera da sua loja). Na gramatura do papel higiênico dos banheiros. Na velocidade em reembolsar um cliente que teve um pedido devolvido. Sua marca reside na educação do porteiro (o fundador da The North Face dizia que o porteiro era a pessoa mais importante da marca, o primeiro contato que o cliente tinha com alguém da empresa). E no final de tudo a marca será aquilo que as pessoas falarão de você, quando você não estiver presente.

Em branding, nunca vá atrás da segunda coisa em primeiro lugar
Meses atrás um empreendedor contatou apresentando um novo negócio. No entanto desistiu de fazer um trabalho com a nova marca. Disse que tinha receio quanto ao empreendimento dar certo, então não queria investir. Mais ou menos como o sujeito que deseja tomar banho de piscina, mas não quer fazer aulas de natação porque não sabe ainda se vai gostar da água. Aí quando entrar na piscina tem grande chances de se afogar. E concluir que realmente não nasceu para a água. Deixar de ir atrás da coisa mais relevante em primeiro lugar não parece ser uma decisão inteligente. A era da impaciência é assim, envolve deixar os assuntos urgentes tomarem o espaço dos importantes. Por sua parte, gestão de marca demanda método com os temas importantes. Antes de fazer, escolher e posicionar. Antes de escolher e posicionar, descobrir e conhecer. Vejo negócios passando imediatamente para a execução, sem fazer as etapas anteriores, porque entendem que tem certeza do que deve ser feito. Relembro que a certeza é o parque de diversões das mentes entorpecidas. Esperar também não parece uma boa escolha. Mesmo que você não faça nada por sua marca, o mercado te fará. Se você não falar nada, seus concorrentes falarão. Você então precisa tomar a dianteira e posicionar sua marca ou os outros farão isto com ela. É sua vez.